ANÁLISE DAS OBRAS DE GIL VICENTE
“A FARSA DE
INÊS PEREIRA”
X
“O AUTO DA
BARCA DO INFERNO”
Graduando do 3º semestre Marcos Cássio Goulart T278082
Graduandos do 2º semestre Anilton Nunes Cirqueira C387DE8
Márcia R. S. G. Fernandes C362IB7 Marlúcia Oliveira Souza C33BEI6
Priscila Moreira de Souza C3845J0
Resumo: A
Farsa de Inês Pereira é considerada a peça mais divertida e humanista de Gil
Vicente. O aspecto humanístico da obra vê-se pelo fato de que a protagonista
trai o marido e não recebe por isso nenhuma punição ou censura, diferentemente
de personagens de O Auto da Barca do Inferno, que são castigadas por fatos
moralmente parecidos. Inês Pereira é uma típica rapariga, leviana, ociosa,
namoradeira, que passa o tempo diante do espelho a se enfeitar, tendo em vista
um casamento nobre. Gil Vicente critica as jovens burguesas, as alcoviteiras,
os sacerdotes, os judeus simbolizando uma reflexão acerca das mentalidades
medieval e pré-renascentista. No Auto da Barca do Inferno percebe-se a
preocupação existente com a sociedade portuguesa da época, que vivia de luxos e
vícios. O autor enfatiza por meio desse auto que todas as pessoas serão
julgadas. Pode-se compreender que Gil Vicente quis propor aos portugueses uma
reflexão sobre o modo de vida que estavam levando ou como deveriam se comportar
para serem recompensados em seu futuro julgamento finais. Ambas as peças são
uma comédia de costumes e ironiza o modo da sociedade portuguesa daquela época
e ao mesmo tempo são peças intemporais, pois, as personagens da Farsa de Inês
Pereira e da Barca do Inferno podem ser encontradas ainda hoje.
Palavras-chave:
comédia, costumes, sociedade.
INTRODUÇÃO
Este artigo
propõe uma análise das peças “A Farsa de Inês Pereira” e “O Auto da Barca do
Inferno” de Gil Vicente, e compõe o trabalho em grupo da disciplina de
atividades práticas supervisionadas sob a orientação da Professora Martha
Maldonado.
Gil Vicente
nasceu em Guimarães por volta de 1465. É considerado o primeiro grande
dramaturgo português, além de poeta também desempenhou as tarefas de músico,
ator e encenador. De uma forma geral foi o pai do teatro português, ou mesmo do
teatro ibérico, já que também escreveu em castelhano.
As peças se
enquadram no momento de transição da Idade Média para a Idade Moderna, ou seja,
estão ligadas tanto ao medievalismo quanto ao humanismo. Esse conflito faz com
que Gil Vicente pense em Deus e ao mesmo tempo exalte o homem livre.
“A Farsa de
Inês Pereira” é uma comédia de costumes e ironiza o modo como as moças eram
criadas na tradição portuguesa, onde eram limitadas pela mãe, pelos afazeres
domésticos e o casamento arranjado. As outras personagens: o falso escudeiro,
malandro e covarde; as alcoviteiras, fofoqueiras; os judeus casamenteiros; Pero
Marques, a figura do bom homem, honesto porém ingênuo - todos são satirizados,
e comicamente apresenta a sociedade portuguesa da época.
“O Auto da
Barca do Inferno”, obra apresentada à rainha D. Leonor, em 1517, é a primeira
da trilogia das Barcas. Muitas vezes a mesma se aproxima da farsa, e é
classificada como auto da moralidade. Chama-se de barca do inferno pelo fato de
que a maioria das personagens em cena segue a barca do diabo, é de certa forma
um julgamento das almas, em que muitos são levados para o inferno devido aos
seus pecados em vida.
O Auto da
Barca do Inferno relata a história de pessoas da sociedade portuguesa da época
que, após a morte passam a ser julgadas de acordo com a vida na terrena.
O porquê da escolha?
Escolhemos
este autor e estas peças por serem lúdicas, interessantes e intemporais, uma
vez que, foram escritas e representadas no início do século XVI.
Pode-se dizer
que sua obra é de transição entre a Idade Média e o Renascimento, apesar de boa
parte ainda ser presa a algumas temáticas medievais, como por exemplo os
valores religiosos, o teatro de Gil Vicente também apresenta características do
movimento Humanista, principalmente a forte crítica à nobreza, ao clero e à burguesia.
Ao buscar inspiração em textos religiosos, Gil Vicente não pretendia difundir a
religião nem converter pecadores. Seu objetivo era mostrar como o homem –
independente de classe social, sexo, raça ou religião – é egoísta, falso,
orgulhoso, mentiroso e frágil quando se trata de satisfazer seus desejos da
carne e do dinheiro, e, ainda
hoje, podemos transpor as personagens para a nossa sociedade, que mantém os
mesmos vícios e comportamentos que apresentavam a sociedade àquela época.
“RIDENDO
CASTIGAT MORES”
“Ridendo
castigat mores” a máxima
latina que significa: rindo castigam-se os costumes, foi adotada por Gil
Vicente, que fazia de suas peças ocasiões para evidenciar à plateia traços
caricatos e criticáveis da sociedade.
Gil Vicente é
ao mesmo tempo, o derradeiro medieval e o primeiro dramaturgo moderno. Mas por
que razão pretendeu Gil Vicente juntar personagens tão distintas numa só obra?
Por uma simples razão: pelo fato de ansiar atingir o fundo da questão, chegar
ao íntimo do que o rodeava e do que observava quotidianamente. Então decidiu
usar, na sua obra tão singular personagens que, por serem tão diferentes,
conseguem caracterizar grupos inteiros, pois, identificam a maioria das
características que definem um determinado estereótipo.
A Farsa de Inês
Pereira foi representada ao rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu
Convento de Tomar, ano de 1523. O seu argumento é que porquanto duvidavam
certos homens cultos se o Autor fazia de si mesmo estas obras, ou se furtava de
outros autores, lhe deram este tema sobre que fizesse: segundo um exemplo comum
que dizem: “mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”.
E sobre este motivo se fez esta farsa.
As figuras
são as seguintes: Inês Pereira; sua Mãe; Lianor Vaz; Pêro Marques; dous Judeus
(um chamado Latão, outro Vidal); um Escudeiro com um seu Moço; um Ermitão;
Luzia e Fernando.
A FARSA DE INÊS PEREIRA
Inês - Renego deste lavrar
E do primeiro que o usou;
Ó diabo que o eu dou,
Que tão mau é d'aturar.
Oh Jesus! que enfadamento,
E que raiva, e que tormento,
Que cegueira, e que canseira!
Eu hei de buscar maneira
D'algum outro aviamento.
Lianor - Tamanho? Eu to direi:
Vinha agora pereli
Ó redor da minha vinha,
E hum clérigo, mana minha,
Pardeos, lançou mão de mi;
S'era eu fêmea, se macho.
Mãe — Hui! Seria algum
muchacho,
Lianor -Inês está concertada
Pera casar com alguém?
Mãe — Até agora com ninguém
Não é ela embaraçada.
Lianor — Eu vos trago um casamento
Em nome do anjo bento.
Filha, não sei se vos praz.
Inês — E quando, Lianor Vaz?
Lianor — Eu vos trago aviamento.
Inês -Porém, não hei de casar
Senão com homem avisado
Ainda que pobre e pelado,
Seja discreto em falar
Lianor - Eu vos trago um bom
marido,
Rico, honrado, conhecido.
Inês - Os judeus casamenteiros
E hão-de vir agora aqui.
Inês — Marido, não digo isso.
Pêro — Pois que dizeis vós, mulher?
Inês — Ir folgar onde eu
quiser
Pêro - Ide onde quiserdes ir
Com que podeis vós folgar
Qu'eu não
deva consentir?
Inês — Passemos primeiro o rio.
Descalçai-vos.
Pêro — E pois como?
Inês — E levar me-eis no
ombro,
Põe-se Inês Pereira às costas do marido, e diz:
Inês — Marido,
assi me levade.
Pêro — Ides à vossa vontade?
Inês — Como estar no Paraíso!
Pêro — Muito
folgo eu com isso.
Durante a peça não existe a presença
de um narrador. Há rubricas que orientam o leitor e os atores: tais como “Canta
Inês Pereira: {...}” ou “Aqui vem Lianor Vaz: {...}.” Estas rubricas trazem
informações sobre o espaço, o tempo e a posição das personagens. As personagens
fazem uso do discurso direto, que garante o humor da peça, pois cada personagem
fala por si só; a fala de cada um representa sua figura, como a ingenuidade de
Pero Marques ou a malandragem de Brás da Mata.
Gil Vicente utiliza a Medida
Velha, característica da poesia medieval, que é composta pela redondilha maior
– sete sílabas poéticas rimadas.
A Farsa de Inês Pereira
constitui-se em três parte, que são as três fases na vida da moça:
Primeira fase: mostra Inês
fantasiando um casamento e então sendo apresentada a Pero Marques e representa
o cotidiano da mulher quinhentista.
Segunda fase: Mal-mariada -
mostra as desgraças do casamento de Inês e o momento que ela descobre que não é
o que ela esperava; retrata a realidade do casamento – uma indústria, um
comércio.
Terceira fase: Inês quite e
desforrada - é quando Inês descobre a vida e que na verdade pode ser casada e
ainda assim ter um amante, tirando proveito da ingenuidade do marido.
Gil Vicente constrói a história
ao redor da metáfora, da alegoria, em que uma única personagem representa
papéis de uma classe social.
AUTO DA BARCA DO INFERNO
O "Auto da Barca do
Inferno" (c. 1517) representa o juízo final católico de forma satírica e
com forte apelo moral. O cenário é uma espécie de porto, onde se encontram duas
barcas: uma com destino ao inferno, comandada pelo diabo, e a outra, com
destino ao paraíso, comandada por um anjo. Ambos os comandantes aguardam os
mortos, que são as almas que seguirão ao paraíso ou ao inferno.
Os
mortos começam a chegar. Um fidalgo é o primeiro. Ele representa a nobreza, e é
condenado ao inferno por seus pecados, tirania e luxúria. Um agiota chega a
seguir. Ele também é condenado ao inferno por ganância e avareza. O terceiro indivíduo a chegar é o
parvo (um tolo, ingênuo). O diabo tenta convencê-lo a entrar na barca do inferno;
quando o parvo descobre qual é o destino dela, vai falar com o anjo. A alma
seguinte é a de um sapateiro, com todos os seus instrumentos de trabalho.
Durante sua vida enganou muitas pessoas, e tenta enganar também o diabo. Como
não consegue, recorre ao anjo, que o condena como alguém que roubou do povo. O
frade é o quinto a chegar... com sua amante. Chega cantarolando. Foi, porém,
condenado ao inferno por falso moralismo religioso. Brísida Vaz, feiticeira e
alcoviteira, é recebida pelo diabo, que lhe diz que seu o maior bem são
"seiscentos virgos postiços". A
seguir, é a vez do judeu, que chega acompanhado por um bode. Encaminha-se
direto ao diabo, pedindo para embarcar, mas até o diabo recusa-se a levá-lo.
Ele tenta subornar o diabo, porém este, com a desculpa de não transportar
bodes, o aconselha a procurar outra barca. O corregedor e o procurador,
representantes do judiciário, chegam, a seguir, trazendo livros e processos. Na
barca do céu, o anjo os impede de entrar: são condenados à barca do inferno por
manipularem a justiça em benefício próprio O próximo a chegar é o enforcado,
que acredita ter perdão para seus pecados, pois em vida foi julgado e
enforcado. Mas também é condenado a ir ao inferno por corrupção. Por fim,
chegam à barca quatro cavaleiros que lutaram e morreram defendendo o
cristianismo. Estes são recebidos pelo anjo e perdoados imediatamente.
O primeiro interlocutor é um Fidalgo que chega com um Paje, que lhe leva
um rabo mui comprido e üa cadeira de espaldas. E começa o Arrais do Inferno
ante que o Fidalgo venha.
DIABO À barca, à barca, houlá!
que
temos gentil maré!
-
Ora venha o carro a ré!
COMPANHEIRO Feito, feito!
Bem
está!
Vai
tu muitieramá,
e atesa aquele palanco,
e despeja aquele banco,
pera
a gente que virá.
ONZENEIRO Pera onde caminhais?
DIABO Oh! que má-hora venhais,
onzeneiro, meu parente!
SAPATEIRO E as ofertas que darão?
E as horas dos finados?
DIABO E os dinheiros mal levados,
que foi da satisfação?
FRADE Por minha la tenho eu,
e sempre a tive de meu,
DIABO Fezestes bem, que é fermosa!
E não vos punham lá grosa
no vosso convento santo?
FRADE E eles fazem outro tanto!
DIABO Que cousa tão preciosa...
Entrai, padre reverendo!
DIABO Ora ponde aqui o pé...
BRÍZIDA Hui! E eu vou pera o Paraíso!
DIABO E quem te dixe a ti isso?
BRÍZIDA Lá hei-de ir desta maré.
ANJO Ó cavaleiros de Deus,
a vós estou esperando,
que morrestes pelejando
por Cristo, Senhor dos Céus!
Sois livres de todo mal,
mártires da Santa Igreja,
que quem morre em tal peleja
merece paz eternal..
A
palavra Auto vem do Latim actu: ação, ato. É um tipo de peça teatral, que teve
origem na Idade Média. O "Auto da Barca do Inferno" faz parte de uma
trilogia (Autos da Barca "da Glória", "do Inferno" e
"do Purgatório"). Escrito em versos de sete sílabas poéticas, possui
apenas um ato, dividido em várias cenas. A linguagem entre os personagens é
coloquial - e é através das falas que podemos classificar a condição social de
cada uma das personagens.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Escrita
na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, as duas obras oscilam entre os
valores morais de duas épocas: ao mesmo tempo em que há uma severa crítica à
sociedade, típica da Idade Moderna, as obras também estão religiosamente
voltadas para a figura de Deus, o que é uma característica medieval.
A
sátira social é implacável e coloca em prática um lema, que é "rindo,
corrigem-se os defeitos da sociedade". As obras têm, portanto, valor
educativo muito forte. A sátira vicentina serve para nos mostrar, tocando nas
feridas sociais de seu tempo, que havia um mundo melhor, em que todos eram
melhores. Mas é um mundo perdido, infelizmente. Ou seja, a mensagem final, por
trás dos risos, é um tanto pessimista.
Na
obra “A Farsa de Inês Pereira,” a protagonista não sofre nenhuma punição ou
qualquer tipo de censura em relação ao ato de sua traição. Ironiza-se a ambição
e a conveniência que cercam os casamentos.
Na
peça “Auto da Barca do Inferno,” a briga do bem com o mal, fica satirizada pela
disputa da condução das almas para o paraíso ou para o inferno. O Diabo utiliza
as figuras de linguagem, quase sempre a ironia, para galgar as almas para o
inferno, trabalhando dessa forma o prazer que sentia em conduzir tais almas. As
personagens mais humildes e submissos à moral religiosa, que pecam sem maldade,
conseguem a salvação. Uma sátira social: todos querem o céu, mas poucos merecem
o destino.
Ambas
as obras são de leitura prazerosa e podem ser transpostas para as questões da
sociedade atual, por isso são intemporais, por isso cativa o leitor/espectador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/farsa-de-ines-pereira.html
http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/literatura/farsa-ines-pereira-analise-obra-gil-vicente-700260.shtml
http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/portugues/portugues_trabalhos/autobarcainferno.htm
http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=resumos/docs/barca
VICENTE, Gil. Antologia
do teatro de Gil Vicente. Introdução
e estudo crítico pela Prof.ª Cleonice Berardinelli. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
VICENTE, Gil. O auto da barca
do inferno. São Paulo: Martim Clarete, 2008. (Coleção Obra Prima De Cada Autor).
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